sábado, 31 de janeiro de 2009

És

És
Princesa
Povo
Menina
Mulher
vaidade
amabilidade
e és
Divina



Orlando Monteiro

Oração

Roguei à Rainha
que auxilie a travessia
do teu Progenitor
que te oriente
proteja
dialogue
findando os monólogos
que arrancavam as raízes uma por uma
que a vista reconheça novamente
a criança que corria de júbilo
não haverá perfume no ar
os ramos não se ostentarão
apenas o pútrido
efectivamente
dissimulação absente


Orlando Monteiro

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Carlos Drummond de Andrade - Ausência

Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.


Carlos Drummond de Andrade

domingo, 25 de janeiro de 2009

A BESTA

Besta sem rebanho
liderança consentida, tolerada
fosco, mesquinho, mísero
de bicos de pés aspira, iludido, coitado

a agressividade sonha que governa
um rato que se julga gato
engana-se o fraco
pele de lobo adoentado

som dos cascos
ignorância amante da brutalidade
batuta profanada
egoísmo e orgulho demente

aqueles que crês teus aliados
irão cravar-te de chagas
fantoche ridículo, palhaço
verme nojento, asno

Orlando Monteiro in Emoçôes Turvas,2008

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Voo

Transitou em julgado
que queria voar
nunca quis
fui impelido

nunca desabrocharam
inerte
sonhei com a água
carregada de mel e amabilidade

depois a teus olhos
espinhos venenosos
tentáculos a nascer por todo o meu ser
Satan personificado

oh Supremo
os turbilhões amargurados
as ondas furiosa a bater no cais
sublevaste miope


Orlando Monteiro

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Ânfora

A minha menina
com pezinhos descalços
olhos vivos
cabelo reluzente

acarreta uma ânfora
plena da mais cândida água
do rio onde os anjos bebem
acalmando as chamas que me usurpam

cresceste
teus pés já não estão desnudados
sorvo da tua ânfora
inflamo


Orlando Monteiro

domingo, 11 de janeiro de 2009

Luz

Neste mundo que não se vive
alma penada
que vagueia, lê
aspira por uma luz
ela vem
apago-a


Orlando Monteiro in Emoçôes Turvas,2008

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

“Leoa”

Rugia tão alto
tímpanos explodiam em sangue
a leoa cega
ampara as crias

destroçado espírito
esbatido
desiludida
desorientada

Fé inabalável
anseia
pela voz meiga
que espanta os demónios

Orlando Monteiro

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

60 dias

60 dias tácitos
Baco era meu Séquito
a lucidez não desamparou
escoei

a adaga silvava rancor
peito ausente de pelicula macia
oxalá cravasse
ainda me queimava a quimera

Orlando Monteiro

sábado, 3 de janeiro de 2009

Maria Teresa Horta - Um outro tanto

Não sei como consigo
amar-te tanto
se querer-te assim na minha fantasia

é amar-te em mim
e não saber já quando
de querer-te mais eu vou morrer um dia

perseguir a paixão até ao fim é pouco
exijo tudo até perder-me
enquanto, e de um jeito tal que desconhecia

poder amar-te ainda
um outro tanto


Maria Teresa Horta

in "Inquietude" quasi

Fernando Pessoa - Sou um evadido.

Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.

Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?

Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela
Nunca me encontre.

Ser um é cadeia,
Ser eu é não ser.
Viverei fugindo
Mas vivo a valer.

Fernando Pessoa