terça-feira, 6 de outubro de 2009

sábado, 26 de setembro de 2009

Gerês

Estou convicto que
sentado naquela rocha esteve Deus
inspirado
durante dias
laborou
criou
pelo instinto dos animais
deu-te astúcia e rebeldia
por cada planta
à mão
fiou o teu cabelo
pelas montanhas
sensatez e honra
por cada gota do rio
criou um sinónimo à tua beleza


Orlando Monteiro

Opção

Porque

coberta de lã
arremedas o carcereiro
arremessando
culpa
insulto

evadiste-te
as chagas não fecharam
saudosista voltas
fraquejaste

Porquê
esse ódio inveterado


Orlando Monteiro

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Eu sei e você sabe

Eu sei e você sabe
Já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe
Que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham a você.

Assim como o Oceano, só é belo com o luar
Assim como a Canção, só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem, só acontece se chover
Assim como o poeta, só é bem grande se sofrer
Assim como viver sem ter amor, não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você!

Vinicius de Moraes

domingo, 20 de setembro de 2009

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Em toda a noite o sono não veio. Agora

Em toda a noite o sono não veio. Agora
Raia do fundo
Do horizonte, encoberta e fria, a manhã.
Que faço eu no mundo?
Nada que a noite acalme ou levante a aurora,
Coisa séria ou vã.

Com olhos tontos da febre vã da vigília
Vejo com horror
O novo dia trazer-me o mesmo dia do fim
Do mundo e da dor –
Um dia igual aos outros, da eterna família
De serem assim.

Nem o símbolo ao menos vale, a significação
Da manhã que vem
Saindo lenta da própria essência da noite que era,
Para quem,
Por tantas vezes ter sempre sperado em vão,
Já nada spera.

Fernando Pessoa

(Athena, nº 3, Dezembro de 1924)

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Exaustão

Patíbulo
que atormenta
asfixia
atrofia
mirando o céu
preveni
Satã cavalga devasso nas veias
sem música
viveres
alegria abunda
mas não chega


Orlando monteiro

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Despejado

A carne
o trautear
o júbilo
desvaneceu-se

escabroso
exânime
baixo o cachaço
seja célere a foice

já não está cá ninguém


Orlando Monteiro

sábado, 22 de agosto de 2009

Terror de te amar

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo

Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa


Sophia de Mello Breyner Andresen

Desencanto

Desencanto
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.


Manuel Bandeira

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Amora

Soprou finalmente
um hálito
a amora silvestre
alapado na espera
remoto do arbusto
privado do horizonte
somente lendas
conduzidas pelo vento
relatado pelas folhas
pelas rochas
veneram
miraram
eu imagino
acredito
vivo


Orlando Monteiro

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Humo

Inflamou-se
Ainda caem cinzas
Numa suave dança
como pétalas
precipitou-se do céu
arderam as asas
no céu não há mais nada
e no solo não há humo


Orlando Monteiro

sábado, 30 de maio de 2009

“O Desespero segundo Søren Kierkegaard”

Continuam a existir
escolhas

uma única vida
angustia da decisão
consequências
trajecto
erros
e o desespero

Orlando Monteiro

Privação

A cada dia de quietação
um buraco negro
surdez
aos acordes dos seres alados
sem olfacto paladar
desapossar
da existência

Orlando Monteiro

sábado, 23 de maio de 2009

1 Ano




Faz este mês uma ano que foi editado o livro "Emoções Turvas".
A todos que o leram o meu muito obrigado

Orlando Monteiro




Nota: Podem ter acesso ao livo nos links abaixo, mas por favor só comprem se não tiverem mesmo mais nada em que gastar dinheiro:

http://www.corposeditora.com/site/mostra_obra.asp?idcoleccao=29&idobra=374
ou
http://www.worldartfriends.com/store/35-emocoes-turvas.html

sábado, 16 de maio de 2009

Punge

Bravia
palpável
gente
carne consternada

alegria
realidade
jaz fantasia
desfila perdida

parte
agasalhasse o estômago
saciada
iluminada

Orlando Monteiro

sábado, 18 de abril de 2009

Ruído

Sossego insalubre
que me devasta
suplico hidrófobo
declamo ansioso
carente das cordas vocais
pelo ruído

Orlando Monteiro

domingo, 12 de abril de 2009

Arte

Deambulavam
gotas de vinho
contornando a mais bela obra de arte
crente em Deus
teria sido pincelada por Klimt
qual céu

Orlando Monteiro

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Avô

Tantos como os raios do sol
os beijos
nas pétalas
da mais bela flor
de todas as estações

lavrada por mãos rudes
o Agricultor
como um penedo
guarda
o generoso pólen
plantado no seu jardim


Orlando Monteiro

sábado, 31 de janeiro de 2009

És

És
Princesa
Povo
Menina
Mulher
vaidade
amabilidade
e és
Divina



Orlando Monteiro

Oração

Roguei à Rainha
que auxilie a travessia
do teu Progenitor
que te oriente
proteja
dialogue
findando os monólogos
que arrancavam as raízes uma por uma
que a vista reconheça novamente
a criança que corria de júbilo
não haverá perfume no ar
os ramos não se ostentarão
apenas o pútrido
efectivamente
dissimulação absente


Orlando Monteiro

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Carlos Drummond de Andrade - Ausência

Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.


Carlos Drummond de Andrade

domingo, 25 de janeiro de 2009

A BESTA

Besta sem rebanho
liderança consentida, tolerada
fosco, mesquinho, mísero
de bicos de pés aspira, iludido, coitado

a agressividade sonha que governa
um rato que se julga gato
engana-se o fraco
pele de lobo adoentado

som dos cascos
ignorância amante da brutalidade
batuta profanada
egoísmo e orgulho demente

aqueles que crês teus aliados
irão cravar-te de chagas
fantoche ridículo, palhaço
verme nojento, asno

Orlando Monteiro in Emoçôes Turvas,2008

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Voo

Transitou em julgado
que queria voar
nunca quis
fui impelido

nunca desabrocharam
inerte
sonhei com a água
carregada de mel e amabilidade

depois a teus olhos
espinhos venenosos
tentáculos a nascer por todo o meu ser
Satan personificado

oh Supremo
os turbilhões amargurados
as ondas furiosa a bater no cais
sublevaste miope


Orlando Monteiro

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Ânfora

A minha menina
com pezinhos descalços
olhos vivos
cabelo reluzente

acarreta uma ânfora
plena da mais cândida água
do rio onde os anjos bebem
acalmando as chamas que me usurpam

cresceste
teus pés já não estão desnudados
sorvo da tua ânfora
inflamo


Orlando Monteiro

domingo, 11 de janeiro de 2009

Luz

Neste mundo que não se vive
alma penada
que vagueia, lê
aspira por uma luz
ela vem
apago-a


Orlando Monteiro in Emoçôes Turvas,2008

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

“Leoa”

Rugia tão alto
tímpanos explodiam em sangue
a leoa cega
ampara as crias

destroçado espírito
esbatido
desiludida
desorientada

Fé inabalável
anseia
pela voz meiga
que espanta os demónios

Orlando Monteiro

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

60 dias

60 dias tácitos
Baco era meu Séquito
a lucidez não desamparou
escoei

a adaga silvava rancor
peito ausente de pelicula macia
oxalá cravasse
ainda me queimava a quimera

Orlando Monteiro

sábado, 3 de janeiro de 2009

Maria Teresa Horta - Um outro tanto

Não sei como consigo
amar-te tanto
se querer-te assim na minha fantasia

é amar-te em mim
e não saber já quando
de querer-te mais eu vou morrer um dia

perseguir a paixão até ao fim é pouco
exijo tudo até perder-me
enquanto, e de um jeito tal que desconhecia

poder amar-te ainda
um outro tanto


Maria Teresa Horta

in "Inquietude" quasi

Fernando Pessoa - Sou um evadido.

Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.

Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?

Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela
Nunca me encontre.

Ser um é cadeia,
Ser eu é não ser.
Viverei fugindo
Mas vivo a valer.

Fernando Pessoa